
Uma viagem inesquecível. "Havia um enorme túnel. Era um túnel de um prateado muito forte e ouvia-se uma nota suspensa, como se fosse um coral. Eu me sentia levitar em direção a esse túnel", lembra o diretor teatral José Luiz Ribeiro, de 65 anos.
José Luiz dedica a vida a ensinar. Ele é diretor de teatro e professor na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), em Minas Gerais. Em uma madrugada de outono, ele despertou com muita dor no estômago. Foi parar no pronto-socorro com uma forte hemorragia provocada por uma úlcera. Teve parada cardíaca. Por pouco, não perdeu a vida. Foi nesse momento que a dor parou e José Luiz experimentou a sensação de flutuar em um caminho iluminado e sem sofrimentos. Difícil foi voltar ao mundo real.
"Você tem uma sensação de paz absoluta e, de repente, uma sensação muito dolorosa. É como se fosse um susto. Você volta em uma rapidez imensa, parece que alguma coisa puxa. Eu não sabia que eu tinha corpo naquele momento. Naquele momento, eu era luz, som e uma coisa que deslizava. Não existia sensação de matéria", descreve.
Da viagem, José Luiz trouxe um jeito novo de encarar o fim. "A morte não me assusta, de jeito algum. O medo desapareceu de vez", afirma.
Tão misteriosa e até assustadora. Tem gente que evita falar no assunto. Mas aqueles que já viveram uma experiência de quase-morte, quando recuperam a consciência, voltam falando sobre lugares bonitos, cheios de luz e tranqüilidade. E os relatos são os mesmos em diversas pesquisas feitas em vários países. E a surpresa: assim como José Luiz, a maior parte das pessoas que tiveram essa vivência perde mesmo o medo da morte. Seria, então, possível usar essas experiências para levar paz e serenidade a quem sofre quando a vida está chegando ao fim?
A psicóloga Ana Catarina Elias acredita que sim. Ela transformou o assunto em uma tese de doutorado na Universidade de Campinas (Unicamp). Com voz suave e tranqüilizadora, ela acalma o paciente. Desenvolveu uma técnica totalmente baseada em relatos de experiências de quase-morte.
O trabalho de relaxamento usa as imagens mais lembradas por quem escapou, por pouco, da morte. No leito do hospital, Ana Catarina convida o paciente para uma viagem. O trabalho foi publicado na revista de psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP) em uma edição totalmente dedicada ao estudo científico da espiritualidade.
É como se o paciente experimentasse algo semelhante a uma quase-morte, com resultados espetaculares. Eles conseguem se livrar da angústia e do medo.
"Nesse sentido, ajuda muito. E muitas vezes dissolve as culpas que esses pacientes sentem diante de Deus e de um julgamento divino, talvez, frente ao que eles fizeram na Terra", explica a psicóloga.
Um jeito diferente de encarar o momento mais doloroso: o da despedida.
"Há realmente uma preocupação de todos os profissionais da área da saúde que trabalham com cuidados paliativos. Vamos cuidar do paciente quando não é mais possível curar para que a morte se torne o mais natural possível, o menos artificial possível", completa Ana Catarina.
"O que é morrer bem? É morrer cercado de amor e de carinho, podendo realizar seus desejos, conversar com as pessoas sobre sua vida, refletir, chorar, rir. Isso que é uma morte digna", avalia o psicanalista Roosevelt Cassorla, da Unicamp.
Reportagem - Globo Repórter - Tv Globo

Nenhum comentário:
Postar um comentário